Autor: Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos
Texto publicado originalmente na revista eletrônica Espiral do Núcleo José Reis, na edição de julho-agosto-setembro de 2008.
Alguns errinhos foram corrigidos com a autorização do autor do texto.
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O conceito de perfeição está associado ao ideal e ao divino. Os
seres reais costumam ser classificados como imperfeitos, ainda que o
conceito de perfeição seja vago. Mas alguns números são perfeitos. O que caracteriza um número como perfeito ?
Perfeição não é aparência. Para saber se um número é
perfeito é necessário conhece-lo por dentro. É isso mesmo ! Vamos olhar
os números por dentro.
Antes que o leitor abandone o texto pensando tratar-se de
pseudo-matemática, espere um pouco. Nem sempre os matemáticos foram
vistos como frios e calculistas. Grande parte do conhecimento matemático
veio de um ambiente religioso.
Por volta do séc. VI a.C., grupos religiosos que cultivavam
conhecimentos secretos proliferavam em terras que correspondem hoje ao
sul da Itália e à Grécia. O conhecimento secreto de cada grupo,
designado genericamente como "mistério", era transmitido através de
mitos, ritos e símbolos próprios. O ingresso a estes grupos era marcado
por um "rito de iniciação". Os "mistérios" mais conhecidos foram os
eleusinos, os délficos, os órficos, os dáctilos, os báquicos, os
cabíricos e os dáctilos. Um novo grupo surgiu nesta época, os
pitagóricos. Eles destacaram-se porque seus símbolos secretos eram os números
e seu mistério era a própria matemática. O termo "pitagórico" deriva do
mestre que teria fundado o grupo, Pitágoras de Samos (570 a.C.-496
a.C.).
Praticamente nada se sabe sobre a vida de Pitágoras porque
os pitagóricos o descreviam de forma mitológica. Alguns chegaram a
duvidar que Pitágoras tenha existido. Segundo escritores antigos, foi
Pitágoras que criou o termo filósofo, que em grego significa "amigo da
sabedoria".
Apesar do segredo, muitos filosófos gregos eram pitagóricos e
escreviam seus livros inspirados nas doutrinas secretas. Além disso,
alguns pitagóricos traíram o voto de sigilo e revelaram alguns segredos.
Assim os pitagóricos acabaram legando aos gregos um vasto conhecimento
matemático relativo aos números naturais e à geometria. Os números eram mais do que meras abstrações. Números
possuiam qualidades, sexo, alguns tinham amizade entre si, etc. E por
trás destas qualidades estavam propriedades aritméticas dos números estudadas até hoje.
Os pitagóricos de maior destaque foram os filosófos gregos
Empedocles de Agrigento (490 a.C- 435 a.C.), Filolau de Crotona (que
viveu no séc. V a.C. mas não se sabe exatamente quando) e Arquitas de
Tarento (428 a.C.-347 a.C.). Empedocles é famoso por ter criado a teoria
dos quatro elementos: fogo, ar, água e terra.
O filosófo Platão de Atenas (427 a.C.-347 a.C.) não é
contado entre os pitagóricos mas foi profundamente influenciado pelo
pitagorismo.
Apesar de geniais, os pitagóricos tinham um conceito bem restrito de número. O 1 não era número. Números
eram pluralidade e o 1 era único, singular. O primeiro número era o 2, o
segundo era o 3, etc. Os pitagóricos conheciam as frações mas não as
classificavam como números. Frações podiam ser representadas como um par de números (por exemplo, 2/3, 3/5, etc.) ou como o 1 seguido de um número (por exemplo, 1/2, 1/3, etc.).
A existência de medidas que não podiam ser representadas por frações, hoje chamadas de números
irracionais, provocaram um verdadeira crise na escola pitagórica.
Paradoxalmente, diversas medidas não fracionárias são encontradas
através do "teorema de Pitagóras''. Os pitagóricos também não
conceberam o zero, nem os números negativos e nem os complexos. Mas isso é outra história...
Em linguagem moderna, o números concebidos pelos pitagóricos juntamente com o zero e o 1 formam o conjunto dos números naturais, representados por N. Geralmente o conjunto dos naturais é apresentado na forma:
N={0,1,2,3,4,...}
onde as reticências significam que o conjunto continua infinitamente.
As partes de um número, os divisores.
Para conhecer o interior de alguma coisa é necessário dividi-la. Com os números não é diferente. Para conhecer o interior de um número é necessário dividi-lo.
Mas a divisão que interessa é a divisão exata. Por divisão
exata os matemáticos se referem a divisão com resto zero. Por exemplo,
10 pode ser dividido em 2 grupos com 5 unidades cada. Em outras
palavras, 10=5+5=2x5. Assim a divisão de 10 por 2 é exata. Da mesma
forma, o número 10 pode ser dividido em 5 grupos de 2 unidades,
10=2+2+2+2+2=5x2. Então a divisão de 10 por 5 também é exata. A divisão
de 10 por 1 é exata porque é possível pensar neste número como 1 grupo
com 10 unidades, 10=1x10. Enfim a divisão 10 por 10 é exata porque se
obtem 10 grupos com 1 unidade cada, 10=1+1+1+1+1+1+1+1+1+1=10x1. Mas 10
não pode ser dividido exatamente em 3 grupos. Dez resulta em 3 grupos de
3 unidades com resto 1, ou seja, 10=3x3+1. Assim 10 dividido por 3 não é
uma divisão exata. A divisão de 10 por 4 não é exata porque 10=4x2+2.
As divisões de 10 por 6, 7, 8 e 9 também não são exatas.
Quando um número dividido por outro resulta em divisão
exata, o segundo é designado como divisor do primeiro. Por exemplo, 1,
2, 5 e 10 são divisores de 10. Já 3, 4, 6, 7, 8 e 9 não são divisores de
10. Os números 1, 2, 3, 4, 6 e 12 são divisores de 12. Já 5, 7, 8, 9, 10 e 11 não são divisores de 12.
Um conceito que facilita o estudo dos divisores é o de
``múltiplo''. Se um número é divisor de um segundo, o segundo é múltiplo
do primeiro. Por exemplo, 2 é divisor de 10, logo é 10 múltiplo de 2.
Já o 3 não é divisor de 10, logo 10 não é múltiplo de 3. A idéia por
trás da nomenclatura "múltiplo" é que a relação pode ser escrita como
multiplicação. Por exemplo, 10 é múltiplo de 2 porque 10 pode ser
escrito como 2x5. Já 15 não é múltiplo de 2 porque não há número
"natural" multiplicado por 2 que resulte em 15. Mas 15 é múltiplo de 3
porque 15=3x5.
Eis abaixo uma lista dos números de 1 até 30 com seus respectivos divisores:
1: 1
2: 1 e 2
3: 1 e 3
4: 1, 2 e 4
5: 1 e 5
6: 1, 2, 3 e 6
7: 1 e 7
8: 1, 2, 4 e 8
9: 1, 3 e 9
10: 1, 2, 5 e 10
11: 1 e 11
12: 1, 2, 3, 4, 6 e 12
13: 1 e 13
14: 1, 2, 7 e 14
15: 1, 3, 5 e 15
16: 1, 2, 4, 8 e 16
17: 1 e 17
18: 1, 2, 3, 6, 9 e 18
19: 1 e 19
20: 1, 2, 4, 5, 10 e 20
21: 1, 3, 7 e 21
22: 1, 2, 11 e 22
23: 1 e 23
24: 1, 2, 3, 4, 6, 8, 12 e 24
25: 1, 5 e 25
26: 1, 2, 13 e 26
27: 1, 3, 9 e 27
28: 1, 2, 4, 7, 14 e 28
29: 1 e 29
30: 1, 2, 3, 5, 6, 10, 15 e 30
Alguns padrões que aparecem na lista de divisores dos números podem ser generalizados. É necessário ressalta-los.
O número 1 é divisor de todos os números
naturais. Dividir um número por 1 é formar um único grupo com todas as
unidades sem nenhum resto. Assim, um número dividido por 1 é ele mesmo.
Por exemplo, 10=1x10, 11=1x11, etc. Outra forma de descrever o mesmo
fato é que "todo o número é múltiplo de 1".
Todo o número é divisor de si mesmo. Dividir um número por
ele mesmo é formar um grupo para cada unidade. Cada grupo fica com uma
única unidade sem nenhum resto. Assim um número dividido por ele mesmo é
1. Por exemplo, 10=10x1, 11=11x1, etc. Outra forma de descrever isso é
que todo número é múltiplo de si mesmo.
Entre os divisores de um número, o mesmo é denominado
``divisor impróprio''. Em outras palavras, todo número é um divisor
impróprio de si mesmo. Assim 10 é divisor impróprio de 10, 11 é divisor
impróprio de 11, etc. Os demais divisores de um número são denominados
``divisores próprios''. Por exemplo, 1, 2 e 5 são divisores próprios de
10, enquanto 10 é divisor impróprio de 10. O único divisor próprio de 11
é 1 enquanto 11 é divisor impróprio.
Os pitagóricos não incluíam os divisores impróprios em suas
listas. Por exemplo, para os pitagóricos os únicos divisores de 10
seriam 1, 2 e 5. O único divisor de 11 seria o 1.
O divisor impróprio de 1 é 1. O número 1 é o único que tem
apenas um divisor: o próprio 1. O número 1 é o único que não tem divisor
próprio.
O problema dos divisores de zero será discutido no próximo tópico.
Com exceção do 0 e do 1, os demais números têm pelo menos dois divisores: o 1 e o divisor impróprio, ele mesmo.
O número 2 é divisor de todos os números
pares mas não é divisor de nenhum ímpar. A própria definição de par é
de um número que é múltiplo de 2. Na classificação moderna o número 1 é
ímpar porque não é múltiplo de 2. Mas para os pitagóricos o 1 não era um
número, portanto não podia ser ímpar.
Na classificação moderna o zero é par porque é múltiplo de 2
(0=2x0). Mas os pitagóricos desconheciam o zero de forma que para eles 0
não podia ser par.
Os números que tem exatamente dois divisores recebem o adjetivo "primo". Se os números
primos têm apenas dois divisores, eles devem ser o 1 e o divisor
impróprio. O número 0 não é primo por razões que serão discutidas no
próximo tópico. Já o número 1 não é primo porque tem apenas um único
divisor. O número 2 tem dois divisores, 1 e 2, portanto é o primeiro
número primo. O 3 também é primo porque tem somente dois divisores, 1 e
3. Mas o 4 não é primo porque tem 3 divisores: 1, o divisor impróprio
(4) e 2.
Há infinitos números primos. Na lista acima é possível ver que os números primos entre 1 e 30 são: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23 e 29.
O único divisor próprio de um número primo é o 1. Como os
pitagóricos não incluíam o divisor impróprio como divisor de um número,
para eles o único divisor de um primo era o 1. Por esta razão, os
pitagóricos usavam o adjetivo "primo" com o sentido de "primordial",
"primeiro". O número primo não tinha "partes" caso ele fosse escrito
como um produto. Por exemplo, o número 7, que é primo, só pode ser
escrito como 1x7 ou 7x1. Fica impossível escreve-lo como produto de números
diferentes de 7. Isso pode ser generalizado para todos os primos. O
número primo não pode ser "decomposto", ele é primordial, indivisível.
Os números diferentes de 0 que têm mais de
2 divisores são chamados de compostos. Por exemplo, o número 4 é
composto porque tem mais de dois divisores. O número 11 não é composto
porque tem somente dois divisores. Assim 11 é primo. Já o número 15 é
composto porque tem mais de dois divisores: 1, 3, 5 e 15.
Todos os pares diferentes de 0 e 2 são compostos porque tem pelo
menos três divisores: 1, 2 e o divisor impróprio. Ou seja, o único
número par que é primo é o 2.
Os números compostos recebiam este nome porque podiam ser escritos como "compostos" por um produto de números
diferentes deles mesmos. Assim o número 6, que é composto, pode ser
escrito como 2x3. O número composto 9 pode ser escrito como 3x3. Enfim,
todos os números compostos podem ser "decompostos".
A decomposição mais completa que um número composto pode sofrer é
em fatores primos. Por exemplo, 6=2x3 e 2 e 3 são primos. O número 45
pode ser escrito como 3x15, mas apenas 3 é primo. Reescrevendo 45=3x3x5,
os únicos fatores, 3 e 5, são primos.
O produto dos primos gera todos os compostos.Assim os números naturais podem ser primos ou compostos, um ou outro, sendo que o 1 e o 0 ficam excluídos desta classificação.
Breve discussão sobre o zero
Nos dois parágrafos seguintes será descrito o
problema do zero na divisão. Caso o leitor não compreenda os dois
parágrafos, não desanime e siga em frente para o próximo tópico,
"perfeição de um número". Não é necessário entender o "zero" para
compreender os números perfeitos. Mas já que se falou de divisão, vale a pena mencionar o papel do 0.
Não se pode dividir nenhum número por zero. As razões não
são óbvias. Um argumento superficial é que não se pode dividir um número
em zero grupos. Que sentido teria dividir 10 em zero grupos ? Quantas
unidades ficam em cada grupo se não há grupos ? Nem mesmo o 0 pode ser
dividido por 0. Então zero não é divisor de nenhum número. Com isso 0
não é divisor nem de si mesmo. Zero é o único número que não tem divisor
impróprio.
O número zero pode ser dividido por qualquer número
diferente de 0. Zero pode ser dividido em um único grupo com zero
unidades (0=1x0), em dois grupos com zero unidades cada (0=0+0=2x0), em
três grupos com zero unidades cada (0=0+0+0=3x0) e assim sucessivamente.
Em outras palavras, 0 dividido por qualquer número diferente de 0 é 0.
Todos os números são divisores de 0 exceto o
próprio 0. Assim zero tem infinitos divisores. O número 0 não é primo
porque tem mais de 2 divisores. Zero também não é composto porque a
própria definição já excluiu o zero. Assim como o número 1, 0 não é
primo e nem composto.
Em resumo, nenhum número pode ser dividido por zero mas 0 pode ser dividido por todos os outros números, resultando em 0. Mas caso o leitor não tenha entendido este tópico, prossiga. Quando os números perfeitos foram concebidos pelos pitagóricos, o 0 não era nem sonhado.
Perfeição nos números
Para entender um número, os pitagóricos somavam seus divisores
próprios. Se os divisores próprios de um número revelariam como ele pode
ser decomposto, a soma deles sintetizaria as informações.
Por exemplo, os divisores próprios de 4 são 1 e 3. A soma destes
divisores é 1+2=3. Assim soma dos divisores próprios de 4 é 3. O único
divisor próprio de 5 é 1. Assim a soma dos divisores próprios de 5 é 1.
Isso pode ser generalizado para todos os números
primos. A soma dos divisores próprios de um número primo é 1,
confirmando seu caráter primordial. Os divisores próprios de 6 são 1, 2 e
3. A soma dos divisores próprios de 6 é 1+2+3=6. Esta coincidência
chamou a atenção dos pitagóricos.
Todo número cuja a soma dos divisores próprios coincide com
ele mesmo recebe o adjetivo de "perfeito". O segundo número perfeito é o
28 porque pode ser escrito como a soma de seus divisores próprios:
28=1+2+4+7+14. O terceiro número perfeito é 496. Os divisores próprios
de 496 são 1, 2, 4, 8, 16, 31, 62, 124 e 248 e
1+2+4+8+16+31+62+124+248=496.
O grande matemático grego Euclides (360 a.C.-295a.C.) conhecia apenas os quatro primeiros números perfeitos: 6, 28, 496 e 8.128. Apesar disso, ele descobriu um método para achar todos os números perfeitos.
O matemático sírio (provavelmente de origem grega)
Nicomachus de Gerasa (60-120) deu importantes contribuições para a
matemática e escreveu sobre os números perfeitos.
Apesar de ser brilhante, este matemático cometeu alguns erros. Por
exemplo, embora ele não tenha encontrado o quinto número perfeito, ele
acreditava que ele teria 5 algarismos. Como será visto neste texto, o
quinto número perfeito, 33550336, tem 8 algarismos. Ele também
acreditava que os números perfeitos
terminavam com os algarismos 6 e 8 alternadamente. Como será visto a
seguir, todo número perfeito termina com 6 ou com 8, mas não
alternadamente.
Os primeiros teólogos cristãos ficaram fascinados pelos números perfeitos. Os teólogos usavam o simbolismo pitagórico para interpretar o papel dos números
nas Sagradas Escrituras. Santo Agostinho (354-430), considerado por
muitos como o pai da teologia cristã, acreditava que Deus criou o mundo
em 6 dias porque 6 é um número perfeito. Santo Isidoro de Sevilha
(560-636) também adotou esta interpretação da criação.
O fascínio pelos números perfeitos
foi herdado pelos teólogos mulçumanos. Os povos convertidos ao
islamismo, principalmente árabes e persas, puderam reunir a matemática
grega com a indiana e a chinesa, desconhecidas pelo Ocidente durante
séculos. Da matemática indiana os árabes adotaram o sistema de numeração
conhecido hoje como indo-arábico. Com todos estes avanços, os números perfeitos puderam voltar a ser estudados além do 8.128.
O matemático árabe Thabit Ibn Qurra (836-901) estudou algumas propriedades dos números perfeitos. Depois dele quase todos os matemáticos arábes pesquisaram os números perfeitos. Ibn Al-Haythan (965-1039) redescobriu o método de Euclides para encontrar números perfeitos. Ismail Ibn Ibrahim Ibn Fallus (1194-1239) descobriu o quinto, sexto e sétimo números perfeitos: 33.550.336, 8.589.869.056 e 137.438.691.328. O quinto e sexto números perfeitos
não alternam 6 e 8, o que mostra que o genial Nicomachus estava errado.
Mas Ismail Ibn Ibrahim Ibn Fallus errou o oitavo, nono e décimo números perfeitos.
A produção árabe foi interrompida pelo incêndio da
biblioteca de Bagdá pelos mongóis em 1258. Infelizmente uma parte
significativa da produção cultural árabe e persa se perdeu na destruição
desta imensa biblioteca, a maior da época.
Com o Renascimento, os europeus voltaram-se para a antiga
cultura grega e redespertaram seu interesse pela matemática. Mas
infelizmente eles não dispunham de grande parte do conhecimento árabe. O
matemático italiano Luca Pacioli (1445-1517) desenvolveu um método
errôneo para chegar aos números perfeitos. Com o método dele chegava-se a uma lista que misturava números perfeitos com não perfeitos.
O matemático alemão Johanes Muller von Konigsberg (1436-1476),
conhecido como Regiomontanus, redescobriu os quinto, sexto e sétimo números perfeitos. Outros matemáticos europeus redescobriram os primeiros 7 números perfeitos
e outros mais. Entre eles merecem destaque o italiano Pietro Cataldi
(1552-1626) e os franceses Marin Mersenne (1588-1648), Rene Descartes
(1596-1650) e Pierre Fermat (1601-1665).
Enfim o grande matemático suiço Leonard Euler (1707-1783) deu contribuições decisivas para a teoria dos números perfeitos.
Atualmente os computadores são um aliado essencial na busca pelos números perfeitos. Sem os computadores seria impossível continuar a busca pela perfeição nos números. Uma lista dos números perfeitos obtidos até 2006 está exposta no endereço eletrônico:
A lista acima não leva em conta que o quinto, sexto e sétimo números perfeitos foram descobertos pelos árabes. As datas e créditos das descobertas são relativas às redescobertas européias.
Defeito nos números
Um número cuja a soma dos divisores próprios é menor do que o
mesmo recebe o adjetivo "defeituoso" ou "menos que perfeito" . Isso
acontece com quase todos os números. Por exemplo, os números
primos são defeituosos porque a soma de seus divisores próprios é 1 e 1
é menor do que qualquer primo. O número 4 não é primo, mas é defeituoso
porque a soma de seus divisores próprios é 3 e 3 é menor do que 4. E
assim por diante.
O fato dos números defeituosos serem
qualificados como tais não implica que eles eram desprezados pelos
pitagóricos. Por que os pitagóricos classificariam os números
primos como defeituosos se eles são primordiais ? Por que os
pitagóricos chamariam seu número mais sagrado, o 4, de defeituoso ? Na
verdade, não existe nenhum texto ou evidência indicando que os primeiros
pitagóricos empregavam o termo "defeituoso" para os números menos que perfeitos.
A classificação "defeituoso" só aparece na obra de Nicomachus de Gerasa
quase 600 anos depois. Neste texto será mantida a classificação
defeituosa porque ela aparece na literatura.
Números quase perfeitos e o caminho para perfeição
Entre os números defeituosos há alguns que são classificados como quase perfeitos. Para estes números,
a soma dos divisores próprios é o seu próprio antecessor, ou seja, o
número que vem imediatamente antes. O número 2 é quase perfeito porque a
soma dos seus divisores próprios é 1. O número 4 também é quase
perfeito porque a soma de seus divisores próprios é 3. O número 8 é
quase perfeito. Os divisores próprios de 8 são 1, 2 e 4 e 1+2+4=7, onde 7
é antecessor de 8. Já os divisores de 16 são 1, 2, 4 e 8 e 1+2+4+8=15 e
15 é antecessor de 16. Assim 16 é um número quase perfeito. Na verdade
qualquer número que resulte do 2 multiplicado por si mesmo é quase
perfeito. Em outras palavras todo o número quase perfeito é da forma 2,
2x2=4, 2x2x2=8, 2x2x2x2=16, 2x2x2x2x2=32, 2x2x2x2x2x2=64,
2x2x2x2x2x2x2=128, etc.
É através dos números quase perfeitos que se chega aos números perfeitos. Mas antes de encontrar os números perfeitos é necessário definir uma classe especial, os "primos de Mersenne". Os primos de Mersenne são números antecessores dos quase perfeitos
e ao mesmo tempo primos (como o nome já indica). Por exemplo, o
antecessor de 2 é 1, mas 1 não é primo, então 1 não é primo de Mersenne.
Já o antecessor de 4 (número quase perfeito) é 3 e 3 é primo. Então 3 é
um primo de Mersenne. O antecessor de 8 (número quase perfeito) é 7 e
este último é primo. Então 7 é primo de Mersenne. Mas o antecessor de 16
é 15 e 15 não é primo porque é múltiplo de 3 e de 5. Assim 15 não é
primo de Merssenne. O antecessor de 32, 31, é um primo de Mersenne. Mas
63 (antecessor de 64) não é primo, logo 63 não é primo de Mersenne. O
quarto, quinto, sexto e sétimo primos de Mersenne são respectivamente:
127, 8.121, 131.071 e 524.287. Existem infinitos primos de Mersenne.
O nome "primos de Mersenne" é uma homenagem ao matemático
Marin Mersenne. Embora Euclides e Ibn Al-Haythan já sabiam que era
necessário achar os primos de Mersenne para encontrar números perfeitos, foi Marin Mersenne quem primeiro estudou sistematicamente as propriedades dos números que levam seu nome.
O grande matemático Leonard Euler fez grandes contribuições
no estudo dos primos de Mersenne. Foi através do estudo dos primos de
Mersenne que Euler contribui tanto na procura dos números perfeitos.
Hoje em dia os computadores são os grandes aliados na busca
dos primos de Mersenne. Uma tabela com os primos de Mersenne encontrados
até agosto de 2008 pode ser encontrada no endereço eletrônico:
Finalmente é possível encontrar os números perfeitos.
"Multiplique um primo de Mersenne por seu sucessor (número
que vem imediatamente depois). Divida o produto por 2. O resultado final
é um número perfeito".
Por exemplo, o primeiro primo de Mersenne é 3. Multiplicando
3 por seu sucessor, 4, chega-se a 3x4=12. Dividindo 12 por 2 chega-se a
6. E 6 é o primeiro número perfeito. Já o segundo primo de Mersenne é 7.
Multiplicando 7 por seu sucessor, 8, chega-se a 56. E 56 dividido por 2
resulta em 28. O segundo número perfeito é 28. O terceiro primo de
Mersenne é 31, que multiplicado por seu sucessor (32) resulta em
31x32=992. E dividindo 992 por 2 chega-se a 496 (terceiro número
perfeito).
Para cada primo de Mersenne que se encontra, chega-se a um
número perfeito. Mas será que este método esgota todas as possibilidades
? Até 2008, com todo o aparato computacional disponível, se sabe que
todos os números perfeitos
que têm até 602 algarismos é encontrado através dos primos de Mersenne.
Uma das consequências disso é que todo o número perfeito termina com 6
ou 8. Assim nunca foi encontrado um número perfeito ímpar e nem um
perfeito par que terminasse em 0, 2 ou 4.
A medida que se avança no conjunto dos números
naturais, os primos de Mersenne ficam mais raros. Por exemplo, os cinco
primeiros primos de Mersenne são relativamente próximos: 3,7, 31, 127 e
8.121. Mas o quinto primo de Mersenne é 131.071 e tem dois algarismos a
mais do que o quarto. Esta raridade de primos de Mersenne vai aumentado
após 131.071. Como consequência os números perfeitos também vão ficando cada vez mais raros. Os quatro primeiros números perfeitos são 6, 28, 496 e 8.128. Já o quinto número perfeito é bem maior do que o quarto, 33.550.336.
Números perfeitos e números triangulares
Os pitagóricos classificavam como números triangulares a soma em sequência do 1 com os demais números.
Assim 1+2=3 é triangular. O segundo número triangular é 1+2+3=6. Assim 6
é ao mesmo tempo um número perfeito e triangular. O terceiro é
1+2+3+4=10. O quarto número triangular é 15=1+2+3+4+5.
O conjunto do 1 com 2, 3 e 4 recebia o nome de Sagrada
Tetraktys. Os pitagóricos tinham uma veneração especial por este grupo
da unidade com os "três primeiros números" (para
eles o 1 não era número). O 10, por ser a soma do 1 até 4, também era
considerado sagrado. Os pitagóricos "quase" desenvolveram o sistema
decimal indo-arábico mais de mil anos antes dos indianos. Um dos
obstáculos para isso era a falta do algarismo 0. Mas isso é outra
história...
Por que falar de números triangulares em um artigo sobre números perfeitos
? Porque como o leitor já deve ter desconfiado, todo o número perfeito é
triangular. Mas nem todo o número triangular é perfeito. Assim 3, 10,
15 e 21 são triangulares mas não são perfeitos. Já 28, que é perfeito, é necessariamente triangular. De fato, 28=1+2+3+4+5+6+7.
Os números triangulares fornecem outro método de achar números perfeitos.
Somando a sequência do 1 até um primo de Mersenne chega-se a um número
perfeito. Assim a soma de 1 até 3 (primo de Mersenne) resulta em 6. Já a
soma de 1 até o primo de Mersenne 7 resulta em 28. A soma de 1 até 31
resulta em 496. E assim por diante.
Abundância nos números
Há números cuja soma dos divisores próprios é maior do que o mesmo. Eles são chamados de números abundantes ou "mais que perfeitos". Os números "abundantes" são mais raros do que os imperfeitos mas mais frequentes do que os perfeitos.
O número 12 é o menor número abundante. Os divisores próprios de 12
são: 1, 2, 3, 4 e 6 e a soma deles é 1+2+3+4+6=16 e 16 é maior do que
12. Depois do 12 o próximo número abundante é o 18. Os divisores
próprios de 18 são 1, 2, 3, 6 e 9. A soma 1+2+3+6 +9=21.
Os múltiplos de um número perfeito diferentes dele mesmo são
abundantes. Assim todos os múltiplos de 6 (exceto o próprio 6) são
abundantes: 12, 18, 24, 30, etc. Os múltiplos de 28 (que não sejam o
próprio 28) também são abundantes: 56, 84, 112, etc.
Mas nem todo o número abundante é múltiplo de um número
perfeito. Por exemplo, o número 20 tem como divisores próprios 1, 2, 4, 5
e 10 e nenhum destes números é perfeito. No
entanto a soma dos divisores próprios de 20 mostra que ele é um número
abundante. Calculando 1+ 2+4+5+10=22 e 22 é maior do que 20.
Todo múltiplo de um número abundante é abundante. Assim os
múltipos de 20 são todos abundantes: 20, 40, 60, 80, 100, etc. Os
múltiplos de 56 são todos abundantes: 56, 112, 168, etc. O menor número
abundante ímpar é 945. Todos os múltiplos de 945 são abundantes: 945,
1.890, 2.835, etc.
A nomenclatura abundante para designar os números "mais que perfeitos" só aparece na obra de Nicomachus de Gerasa. Mas os pitagóricos não atribuíam nenhuma superioridade ao números abundantes em relação aos perfeitos.
O número 1 não tem divisores próprios, portanto não se pode
soma-los. Mesmo considerando o 1 como número, não faz sentido
classificar o 1 como defeituoso, nem como abundante e nem como perfeito.
O número zero, com seus infinitos divisores, também não se enquadra
nesta classificação.
Abaixo há uma lista com os números de 2 até 30, com a soma dos divisores próprios de cada número exibida ao lado. Fica fácil ver quais os números defeituosos, perfeitos e abundantes.
2: 1. Defeituoso
3: 1. Defeituoso
4: 1+ 2=3. Quase perfeito, portanto defeituoso.
5: 1. Primo, portanto defeituoso.
6: 1+2+3=6. Perfeito
7: 1. Primo, portanto defeituoso.
8: 1+2+4=7. Quase perfeito, portanto defeituoso.
9: 1+3=4. Defeituoso.
10: 1+2+5=8. Defeituoso.
11: 1. Primo, portanto defeituoso.
12: 1+2+3+4+6=16. Abundante.
13: 1. Primo, portanto defeituoso.
14: 1+2+7=10. Defeituoso.
15: 1+3+5=9. Defeituoso.
16: 1+2+4+8=15. Quase perfeito, portanto defeituoso.
17: 1. Primo, portanto defeituoso.
18: 1+2+3+6+9=21. Abundante.
19: 1. Primo, portanto defeituoso.
20: 1+2+4+5+10=22. Mais que perfeito
21: 1+3+7=11. Defeituoso
22: 1+2+11=14. Defeituoso
23: 1. Primo, portanto defeituoso.
24: 1+2+3+4+6+8+12=36. Abundante.
25: 1+5=6. Defeituoso
26: 1+2+13=16. Defeituoso
27: 1+3+9=13. Defeituoso
28: 1+2+4+7+14=28. Perfeito
29: 1. Primo, portanto defeituoso.
30: 1+2+3+5+6+10+15=42. Abundante.
Reflexões sobre a perfeição dos números
Duas reflexões podem ser extraídas sobre os números perfeitos. Uma reflexão sobre o conceito de um número e outra sobre perfeição.
Em primeiro lugar, os números, que são quantidades, também podem ser compreendidos como qualidades. Mesmo sem adotar a mística pitagórica, os números podem ser primos ou compostos, perfeitos ou não, etc. As qualidades numéricas emergem das próprias propriedades quantitativas dos números.
Por exemplo, a perfeição de um número, uma qualidade, está associada a
uma propriedade quantitativa, a igualdade entre um número e a soma de
seus divisores próprios.
Talvez falar de números de um ponto
de vista qualitativo ajude a sociedade a superar seu preconceito com
relação a matemática. Este preconceito exclui as pessoas de todos os
benefícios da modernidade. O dinheiro deixou de ser papel e moeda para
se tornar um número que aparece nas telas dos caixas eletrônicos. Os
alimentos são avaliados pelas quantidades de nutrientes e calorias
presentes nas embalagens. Os serviços e a administração das empresas
exigem cada vez mais raciocínio lógico. Os números são a nova esfinge que se não compreendidos estrangulam o homem.
A segunda reflexão é sobre o conceito de perfeição. A noção
pitagórica de perfeição era diferente da atual. Na atualidade, perfeição
é um estado onde não há defeitos. Já para os pitagóricos, perfeição era
uma correspondência entre as partes e o todo.
Se o conceito de perfeição pitagórico fosse igual ao atual,
um número defeituoso não poderia ser o mais sagrado, o 4. Além disso,
nenhum número poderia exceder a perfeição, como os abundantes fazem.
Atualmente as pessoas acabam desistindo de serem perfeitas e
de aperfeiçoar o mundo que as rodeia. Perdem-se os ideais. Para que
melhorar se a perfeição é um estado impossível ? Talvez o conceito
pitagórico de perfeição anime o homem a aperfeiçoar-se.
Como aplicar o conceito de perfeição pitagórica ao ser
humano ? Perfeição é o que está fora concordar com o que está dentro. Um
ser humano perfeito é aquele que cabe em si mesmo. Quem é perfeito é
sincero porque mostra o que está dentro de si mesmo. A pessoa perfeita
não tentaria fingir ou ser algo que ela não é. Ao contrário, o ser
humano perfeito é exatamente ele mesmo, nem mais e nem menos.
O caminho da perfeição começa com uma pergunta. Quem sou eu ?
No momento que o homem encontra a resposta, ele é exatamente ele
mesmo.
Mas o que fazer enquanto não se encontra o si mesmo ? Só
resta continuar buscando o autoconhecimento. Quem chegar a ser quase
perfeito já pode ficar feliz porque a quase perfeição é o caminho para a
perfeição.