quinta-feira, 29 de outubro de 2020

A lei da inércia e a cadeirinha de bebê.

 

por Leonardo S. F. dos Santos*

Uma das leis da Física mais conhecidas é a “lei da inércia”. De acordo com a lei da inércia, se um corpo não recebe nenhuma força, ele está em repouso ou em movimento retilíneo com velocidade constante. Abordar a lei da inércia em um caso geral é uma tarefa muito ampla, mas é necessário entender este princípio da Física em um dos ambientes mais usados na atualidade, o carro. O entendimento da lei da inércia no contexto dos carros é uma questão de vida ou morte.

Os ocupantes de um carro só entrarão em movimento com a aplicação de uma força. Quando um carro se move, os ocupantes recebem uma força dos bancos onde estão sentados. Através desta força, os ocupantes adquirem a mesma velocidade do carro. Depois disso, pela lei da inércia, os ocupantes ficam com velocidade constante, movendo-se em linha reta. Caso o carro fique com velocidade constante em linha reta, os ocupantes continuarão se movendo com o veículo. Mas se o carro aumentar de velocidade novamente, os bancos aplicarão força nos ocupantes e estes acelerarão outra vez.
Mas o que acontece se a velocidade do carro diminui? Pela lei da inércia, caso nenhuma força seja aplicada, os ocupantes continuarão com em movimento retilíneo com velocidade constante. Com isso, a freada de um veículo arremessa os ocupantes para a frente. Eles podem chocar-se contra o vidro dianteiro, contra o painel do carro ou até serem ejetados para fora do veículo. Os ocupantes sentados atrás podem ainda bater nos bancos dianteiros. O choque com outros corpos após a freada corresponde a uma força que parará os ocupantes. Tal choque pode provocar desde pequenas lesões até a morte. Então é importante parar os ocupantes do carro antes que eles entrem em contato com a parte frontal do carro.

Em uma época em que não existiam cintos de segurança, os ocupantes dos carros usavam seus próprios braços para gerarem a força que os colocassem em repouso. Nem sempre essa força é suficiente para proteger os ocupantes. Por exemplo, se um carro freia a 100km/h, o ocupante fica com esta velocidade em linha reta até que uma força o pare. Dificilmente a força dos braços é suficiente para parar o próprio corpo a 100km/h. Neste caso, o choque do ocupante com a parte frontal do veículo é quase inevitável. Os ferimentos são praticamente certos, podendo chegar à morte.
Atualmente os carros são dotados de duas proteções, o cinto de segurança e o air bag. Após uma freada, o ocupante é jogado para frente, mas ele é desacelerado pelo cinto de segurança ou pelo air bag em casos em que este é acionado. A força que o cinto ou o air bag aplicam no ocupante é muito superior àquela dos braços humanos. O ocupante entra em repouso antes de um impacto seguido de ferimentos.
Cintos de segurança e air bags são insuficientes para proteger crianças pequenas. Repetindo o exemplo anterior, se um carro freia a 100km/h, a criança é arremessada para frente a 100km/h. O cinto de segurança não aperta suficientemente o corpo da criança devido ao pequeno tamanho dela. Então, a criança pode escorregar do cinto durante uma freada. Entre os air bags frontais, há um pequeno espaço por onde o corpo da criança pode escapar. Uma criança pequena arremessada a 100km/h ou a velocidades bem menores tem grande probabilidade de sofrer um choque fatal. É por isso que as crianças devem ficar presas em cadeirinhas especiais. Nestas cadeirinhas, há um segundo cinto de segurança com tamanho adaptado ao pequeno corpo da criança e toda uma estrutura que desacelera o corpo dela quando o carro freia.

Talvez as leis dos homens mudem e os cintos de segurança, air bags e cadeirinhas de bebê deixem de ser itens obrigatórios. No entanto, as leis da Física não mudam e o risco de um choque fatal continua, independentemente da legislação humana.

Para uma visão diferente sobre o mesmo tema, veja a reportagem abaixo:

* Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos é coordenador do Portal Píon da Sociedade Brasileira de Física e professor de Física da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), campus de Diadema.

50km/h é uma velocidade grande ou pequena?

por Leonardo S. F. dos Santos* 

 Muitos motoristas e motociclistas ficam irritados com o limite de velocidade de 50km/h. A proibição de velocidades acima de 50km/h é interpretada como uma restrição à liberdade. 

Afinal, a velocidade de 50km/h é pequena ou grande? Para responder esta pergunta, é necessário procurar o significado da velocidade de 50km/h. 

O que significa a uma velocidade de 50km/h? 

 A velocidade de 50km/h indica que durante uma hora, a distância percorrida é 50km. Em duas horas, um carro à 50km/h percorre 100km. Um veículo a 50km/h cobre 150km em 3 horas. Enfim, a distância percorrida em quilômetros é o número de horas vezes 50. O mesmo raciocínio pode ser generalizado para qualquer velocidade medida em km/h. 

Pensando na velocidade de 50km/h em metros por segundo. 

A conversão de quilômetros por hora em metros por segundo é feita através da divisão 3,6. Para saber o porquê da divisão por 3,6 na conversão para m/s, clique no artigo 3,6. Caso contrário, basta prosseguir a leitura.

Um carro à 50km/h está 50/3,6≈13,9m/s, quase 14m/s. Então, pensando em m/s, um carro a 50km/h percorre 13,9 metros a cada segundo, quase 14 metros. Em dois segundos, o mesmo veículo cobre quase 28 metros. Para 3 segundos, o móvel percorre quase 42 metros. Em geral, a distância percorrida em metros é o tempo em segundos multiplicado por 13,9. 

A velocidade de 50km/h é pequena ou grande? 

Para viagens longas, a velocidade de 50km/h parece pequena. Por exemplo, para percorrer 200km na velocidade 50km/h gasta-se 4 horas. 

No perímetro urbano, o raciocínio em km/h fica inadequado. A cada semáforo com sinal vermelho, a cada lombada, a cada placa “pare”, a cada pedestre atravessando a rua, é necessário frear. O veículo não andará durante horas com 50km/h. No máximo, ele ficará alguns minutos nesta velocidade. Então é mais conveniente pensar na velocidade em m/s.

Se um motorista se distrai por um segundo à 50km/h, ele se desloca quase 14m sem perceber. Caso uma criança corra para o meio da rua e passe a uma distância de 14m de um carro à 50km/h, ela será atingida em apenas 1 segundo. Da mesma forma, outro carro parado à 14 metros do veículo à 50km/h sofrerá choque em 1 segundo. Um obstáculo à 28 m será atingido em 2 segundos. Em geral, o tempo em segundos para que o veículo à 50km/h atinja algo em repouso será a distância em metros dividida por 14.

O tempo de alguns segundos é suficiente para que o condutor de um veículo perceba a presença de alguém ou de algo, pise no freio e pare? Esta pergunta depende de vários fatores. Em primeiro lugar, depois que uma pessoa percebe a necessidade de frear, ela não tem uma reação instantânea. O tempo do reflexo humano pode variar entre 0,15s até 0,45s. Durante este tempo, um veículo à 50km/h andou entre 0,15x14=2,1m e 0,45x50=6,3m. Depois que o condutor pisa nos freios, o veículo desliza alguns metros, percorrendo uma certa distância antes de parar. A distância percorrida depende da qualidade dos freios e do atrito ente os pneus e o terreno.

Então, a velocidade de 50km/h pode ser considerada alta em perímetro urbano, seja nas ruas, seja nas estradas que passam ao lado de bairros densamente povoados. Há risco de atropelamento ou colisão a uma velocidade de 13,9m/s. No entanto, longe dos perímetros urbanos, sem circulação de pedestres, em estradas com boas condições e sem curvas muito fechadas, 50km/h pode ser considerada uma velocidade baixa. Na dúvida sobre a lentidão ou rapidez do veículo, o ideal é seguir as placas de trânsito e os limites de velocidade. O vídeo à seguir mostra acidentes à 50km/h, 70km/h e 90km/h. 



 

* Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos é coordenador do Portal Píon da Sociedade Brasileira de Física e professor de Física da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), campus de Diadema.

sábado, 9 de maio de 2015

O mais rápido chega antes?


Autor: Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos


   Dois veículos apostam uma corrida. O mais rápido ganha a corrida. Isso é óbvio. No entanto, nem sempre é óbvio saber quem é o mais rápido. A corrida fictícia abaixo é um exemplo disso.

   Uma corrida é disputada por dois pilotos em uma pista de 120km (120 quilômetros). O piloto do primeiro veículo se chama Constâncio. Ele é calmo e gosta de andar com velocidade constante. O carro de Constâncio corre a 90km/h (90 quilômetros por hora), não alterando sua velocidade em momento algum. O nome do segundo piloto é Inconstâncio. Este piloto começa a corrida com 60km/h. No meio do caminho, depois de 60km percorridos, Inconstâncio aumenta a velocidade para 120km/h.
   As velocidades médias de Inconstâncio nas duas metades da corrida são 60km/h e 120km/h. A média entre as velocidades médias é exatamente 90km/h. Esta média coincide com a velocidade de Constâncio. Os pilotos empatam a corrida?

   Para saber quem ganha a corrida, é necessário calcular o tempo para cobrir o caminho. Constâncio corre a uma velocidade de 90km/h, o que equivale a 90km a cada 60 minutos. Em 20 minutos (um terço de 60 minutos), o carro percorre 30km (um terço de 90km). Para cobrir uma distância de 120km=90km+30km, o veículo demora 60min+20min=80min. Então Constâncio leva 80 minutos para percorrer os 120km.

   Inconstâncio percorre o primeiro trecho de 60km em 1 hora porque sua velocidade é 60km/h. O segundo trecho de 60km é percorrido com o dobro da velocidade, 120km/h. Se a velocidade dobrou e a distância é a mesma, o tempo é dividido por 2. Assim, Inconstâncio cumpre o segundo trecho de 60km em meia hora ou 30 minutos. Gastando 60 minutos na primeira parte e 30, na segunda, Inconstâncio consome 60+30=90 minutos.

   Comparando os tempos de Constâncio e Inconstâncio, 80 e 90 minutos, o primeiro ganha a corrida. Inconstâncio é mais lento no primeiro trecho, mais rápido no segundo e no total gasta mais tempo. A velocidade média de Inconstâncio é de 120km para cada 90 minutos, o que equivale a 40km (um terço de 120km) para 30 minutos (um terço de 90km) ou meia hora. Com 40km a cada meia hora, em uma hora inteira completam-se 80km. A velocidade média de Inconstâncio é de 80km/h, enquanto Constâncio corre a 90km/h. Em média, Constâncio foi mais rápido.

   Inconstâncio pede uma revanche em uma pista de 180km. Constâncio aceita e repete a tática de correr a velocidade constante de 90km/h. Inconstâncio muda de tática. Agora ele não corre distâncias iguais, mas tempos equivalentes com velocidades diferentes. Durante uma hora ele corre a 60km/h. Depois, durante mais uma hora, ele fica a 120km/h.

   A 90km/h, Constâncio cumpre 180km em duas horas. Já Inconstâncio corre 60km/h durante uma hora, percorrendo 60km. Em mais uma hora, Inconstâncio cobre 120km porque está a 120km/h. Em 2 horas, Inconstâncio completa 60+120=180km. Inconstâncio e Constâncio cruzam juntos a linha de chegada.

   Na segunda corrida, as velocidades médias de Inconstâncio e Constâncio coincidem em 90km/h porque ambos percorrem 180km em 2 horas. Neste caso, a velocidade média em duas horas é a média das velocidades em cada hora: 60km/h e 120km/h.  Com este empate, Constâncio e Inconstâncio podem notar que a velocidade média só é igual à média das velocidades médias se os tempos forem iguais.

   O objetivo deste texto é abordar superficialmente o conceito de velocidade média. A meta do texto não é estimular corridas. Apostar corridas com carros e motos em ruas e estradas é crime. Aprender Física é sublime. 

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

3,6

Autor: Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos

Muitas pessoas decoram uma regra para a conversão da velocidade de metros por segundo (m/s) para quilômetros por hora (km/h). Elas multiplicam a velocidade em m/s por 3,6. Por exemplo, a velocidade de 14 m/s é igual à 14 x3,6 km/h=50,4km/h. Analogamente, a conversão de km/h para m/s consiste na divisão por 3,6. Então, a velocidade de 90km/h equivale à (90/3,6)m/s=25m/s. Por que essa regra dá certo? 
 
Para entender a conversão da velocidade de m/s para km/h, é interessante usar o exemplo 10m/s. Um minuto tem sessenta segundos (1min=60s). Se um corpo tem velocidade de 10m/s, em um minuto ele percorre 60s x 10m/s=600m. Então a velocidade de 10m/s equivale a 600m/min.
 
10m/s=600m/min
 
Continuando o mesmo raciocínio, uma hora tem sessenta minutos (1h=60min). Se um corpo corre 600m por minuto, em uma hora ele cobre 60min x 600m/min=36.000m. Então a velocidade de 600m/min é igual a 36.000m/h. Como um quilômetro equivale a mil metros (1km=1.000m), 36.000m pode ser reescrito como 36km. Logo, 600m/min e 36km/h são duas formas de escrever a mesma velocidade.
 
600m/min=36km/h
 
Se 10m/s=600m/min e 600m/min=36km/h então:
 
10m/s=36km/h
 
Há outra forma de deduzir a igualdade acima. Uma hora tem sessenta minutos e cada minuto, sessenta segundos. Então uma hora tem 60 x 60s=3.600s. Um corpo que está a 36km/h anda 36.000m em 3.600s. Em m/s, sua velocidade é de 36.000m/3.600s=10m/s.
 
Um décimo de 10m/s é 1m/s. Já um décimo de 36km/h é 3,6km/h. Como 10m/s=36km/h, um décimo desta velocidade pode ser expresso como:
 
1m/s=3,6km/h
 
Se cada m/s tem 3,6km/h, 2m/s terá o dobro de 3,6km/h, 3m/s, o triplo de 3,6km/h e assim por diante. Qualquer velocidade em m/s multiplicada por 3,6 será a equivalente em km/h. Os exemplos abaixo facilitam a compreensão:
 
2m/s=2 x 3,6km/h=7,2km/h
 
3m/s=3 x 3,6km/h=10,8km/h
 
4m/s=4 x 3,6km/h=14,4km/h
 
5m/s=5 x 3,6km/h=18km/h
 
Como a conversão de m/s para km/h se faz através da multiplicação por 3,6, a transformação inversa exige a divisão pelo mesmo número. Em outras palavras, a velocidade em km/h dividida por 3,6 corresponde a mesma em m/s. Por exemplo,

54km/h=(54/3,6)m/s=15m/s

72km/h=(72/3,6)m/s=20m/s

108km/h=(108/3,6)m/s=30m/s

Nos exemplos acima, a divisão por 3,6 deu um resultado exato. Isso é raro! Geralmente a divisão por 3,6 resulta em dízima periódica. Por exemplo, 10/3,6=2,7777777... (as reticências indicam que há infinitos algarismos 7). No caso de dízima periódica, é necessário arredondar o resultado. Para simplificar as contas, o arredondamento será até a primeira casa decimal. Voltando ao mesmo exemplo, 10/3,6 pode ser arredondado para 2,8. Assim, 10km/h=(10/3,6)m/s=2,8m/s. Outros exemplos são dados a seguir:
 
20km/h=(20/3,6)m/s=5,555...m/s    arredondado para 5,6m/s
 
30km/h=(30/3,6)m/s=8,333... m/s    arredondado para 8,3m/s
 
40km/h=(40/3,6)m/s=11,111.... m/s arredondado para 11,1m/s
  
   Uma aplicação importante da conversão de km/h para m/s é a conscientização dos motoristas de carros, motos, ônibus, etc. Os velocímetros dos veículos automotores exibem a velocidade em km/h. Provavelmente, os primeiros fabricantes de veículos pensaram que suas criações percorreriam alguns quilômetros em algumas horas. Por exemplo, uma distância de 120km percorrida à 80km/h leva 1,5h (uma hora e meia). No entanto, acidentes ocorrem em poucos segundos com deslocamentos de alguns metros. Como exemplo, um motorista pode achar pequena a velocidade de 48km/h em um perímetro urbano. Mas convertendo a velocidade em m/s, ele concluirá que 48km/h=(48/3,6)m/s=15m/s. Com apenas 2 segundos de distração do motorista, um carro a  48km/h=15m/s percorrerá 2s x15m/s=30m de distância. Andar distraído por 30m pode resultar em um atropelamento, uma batida, a passagem por um sinal vermelho, etc. Aplicar a conversão de km/h para m/s pode converter um motorista inconsequente em um cidadão mais responsável.
 
   O leitor pode continuar usando a regra do 3,6 sem entende-la. Mas entender não é melhor do que simplesmente decorar?

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Zero parece nada, mas não é


Autor: Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos

Texto originalmente publicado na revista Vox Scientiae do Núcleo José Reis da ABRADIC no número 53, edição de Nov/Dez de 2009.

   Muitas pessoas acham que o zero é o número do nada. Se não há elefantes em sua casa, quantos estão lá? Zero. Se os bombons de uma caixa acabaram, quantos sobraram? Zero. O próprio símbolo do zero, 0, é um espaço vazio.

   O zero é chamado de número nulo. Consequentemente os números diferentes de zero são denominados “não nulos”. Mas ser nulo é diferente de não ser. Se o zero fosse nada, ele não poderia ser incluído em vários conjuntos numéricos. Para entender o zero é necessário estudar a relação dele com os outros números.

Zero na soma

   O zero na soma não faz diferença. Somar com zero e não somar é a mesma coisa. Por exemplo:

1+0=1

2+0=2

0+0=0

(-1)+0=-1

(-2)+0=-2

   Cada número envolvido em uma soma é chamado de parcela. A odem das parcelas não altera a soma. Por exemplo, 2+3=3+2=5, 3+7=7+3=10, etc. Em linguagem matemática, a soma obedece a “propriedade comutativa”. Por exemplo:

0+1=1+0=1

0+2=2+0=2

(-1)+0=0+(-1)=-1

(-2)+0=0+(-2)=-2

   Assim zero somado com outro número resulta no “outro número”. Então somar um número com zero ou somar zero com outro número sempre resulta no “outro número”. Por esta razão, o zero é definido pelos matemáticos como “elemento neutro da soma”. Elemento neutro porque ele não altera o número somado.

   A frase “algo mais nada é algo” parece com “um número mais zero é o próprio número”. Qual é a diferença entre considerar o zero um nada ou o elemento neutro da soma?

Zero na subtração

   Subtrair zero de algum número implica em não diminuir o número. Assim um número menos zero é ele mesmo. Por exemplo:

1-0=1

2-0=2

0-0=0

(-1)-0=(-1)

   Mas quanto vale zero menos um número? Se há 3 litros de água em um balde, é impossível retirar 7 litros dele. Neste contexto não faz sentido subtrair o maior do menor. Mas se uma pessoa tem 3 reais, ela pode gastar 7 e endividar-se. A dívida seria de 4 reais, o que equivale a ter (-4) reais. Então há contextos onde faz sentido subtrair um número de zero.

   A subtração não é uma operação comutativa. Subtração é anticomutativa. Em outras palavras, mudando a ordem dos números envolvidos o resultado inverte de sinal. Por exemplo:

7-3=4

3-7=-4

ou

(-1)-2=-3

2-(-1)=3

   Assim zero menos um número pode ser resolvido. Por exemplo:

1- 0=1

0-1=-1

ou

2-0=2

0-2=-2

ou ainda

(-1)- 0=-1

0-(-1)=1

   Observando apenas os resultados finais, é possível notar que o zero inverteu o sinal do outro número. Zero menos 1 resultou no 1 invertido, (-1). Zero menos 2 ficou (-2). Da mesma forma, o zero menos (-1) resultou no inverso de (-1), 1.

   Subtrair um número “por” zero não altera nada. A frase “algo menos nada é algo” faz sentido. Mas subtrair um número “de” zero inverte o sinal. Então o zero começa a aparecer como um número que faz diferença. Se o zero é nada, então “nada menos algo é o oposto de algo”. Se o oposto de algo sai do nada, este nada é alguma coisa.

Zero na multiplicação

   Multiplicar zero por algum número não nulo equivale a somar o zero várias vezes.

0x1=0

0x2=0+0=0

   No exemplo acima o zero foi somado com ele mesmo. O segundo zero não alterou o primeiro. Outra forma de ver esta conta é que o primeiro zero não alterou o segundo. Assim 0+0=0. De forma análoga

0x3=0+0+0=0

0x4=0+0+0+0=0

e assim infinitamente.

   Então zero multiplicado por qualquer outro número é zero. Mas e quando se multiplica um número por zero? A ideia de que a multiplicação é uma soma de parcelas não ocorre neste caso. Por exemplo, 2x0 é o número 2 somado “zero” vezes? Faz sentido somar “zero” vezes?

   A multiplicação segue a “propriedade comutativa”. Assim como a soma, multiplicação não depende da ordem dos fatores. Por exemplo, 2x3=3x2=6, 3x5=5x3=15, etc.

   Usando a propriedade comutativa da multiplicação é possível ver que o zero multiplicado por qualquer número também é zero. Por exemplo:

0x2=2x0=0

0x3=3x0=0

   Então basta que o zero seja um dos fatores para que a multiplicação resulte em zero. Zero vezes zero também é zero

0x0=0

   Se o zero em qualquer um dos fatores resulta em zero, então:

(-1)x0=0x(-1)=0

(-2)x0=0x(-2)=0

   Zero no produto sempre resulta em zero. Na multiplicação o zero comporta-se como algo a partir do qual tudo é tragado. Os matemáticos chamam isso de “propriedade absorvente do zero”. “Um número vezes nada é nada”, dizem alguns. Se o zero é nada, o nada tem o grande poder de absorver tudo.

Zero na divisão

   Dividir um número por outro implica em completar uma multiplicação. Por exemplo, 10 dividido por 2 é o número que multiplicado por 2 é 10. O número que multiplicado por 2 é 10 é o 5. Então 10/2=5 porque 5x2=10.

   Usando outro exemplo 15/3 é o número que multiplicado por 3 é 15. Então 15/3=5 porque 5x3=15.
Quanto é zero dividido por algum número não nulo? Por exemplo, 0 dividido por 2 é o número que multiplicado por 2 é 0. O único número que multiplicado por 2 é 0 é o próprio 0. Então 0/2=0 porque 0x2=0. 

   Da mesma forma 0/1=0 porque 0x1=0. Enfim, zero dividido por qualquer número não nulo é zero porque zero multiplicado por qualquer número não nulo é o próprio zero. Por exemplo:

0/3=0 porque 0x3=0

0/(-1)=0 porque 0x(-1)=0

   A divisão não é comutativa, ou seja, ela depende da ordem dos números envolvidos. Se zero dividido por um não nulo é zero, não significa que um número não nulo dividido por zero também seja zero. Quanto é um número não nulo dividido por zero?

   Por exemplo, 1/0 é o número que multiplicado por 0 dá 1. Mas nenhum número multiplicado por 0 é 1. Todo número multiplicado por 0 é 0, nunca é 1. Assim 1/0 não existe porque não há número que multiplicado por 0 seja 1.

   Repetindo o raciocínio, 2/0 também não existe porque não há número que multiplicado por 0 seja 2. Enfim, “todo número não nulo dividido por 0 não existe” porque não há número que multiplicado por 0 resulte em não nulo.

   Zero dividido por um número não nulo é zero, mas um número não nulo dividido por zero não existe. Quanto vale 0/0?

   O número 0/0 multiplicado por 0 é 0? Qualquer número multiplicado por zero é zero. Assim 0/0 é chamado de “indeterminação”. O problema de 0/0 não é porque o resultado não existe, mas sim porque há infinitos resultados possíveis. A divisão 0/0 pode ser 1 porque 0x1=0, pode ser 2 porque 0x2=0, etc.

   Zero dividido por um número não nulo é zero. Se o zero é nada, então “nada dividido em várias partes é nada”. Mas quando um número não nulo é dividido por zero, o resultado não existe. Assim qualquer número não nulo dividido por zero é o próprio nada. As afirmações “um número não nulo dividido por zero é nada” e “algo dividido pelo nada é nada” tem sentido claramente diferente. Na segunda afirmação, se o nada é zero, “um número dividido por zero é zero”, o que é falso. Fica claro que zero não é nada.

   O número 0/0 seria a própria antítese do nada, o tudo. Assim como o nada não é um número, o tudo também não é.

Zero na potenciação

   Assim como a subtração e a divisão, a potenciação não é comutativa. Em outras palavras, trocando a ordem dos números o resultado pode mudar. Por exemplo:

2³=2x2x2=8

3²=3x3=9

   O primeiro e o segundo números da operação de potenciação são chamados respectivamente de base e expoente. Por exemplo, na operação 2³, 2 é a base e 3 é o expoente. Já em 3², 3 é a base e 2 é o expoente.

   Zero elevado a algum número não nulo é zero. Assim:

0¹=0

0²=0x0=0

0³=0x0x0=0

   Como potenciação não é uma propriedade comutativa, não se pode concluir que um número diferente de zero elevado à zero é zero. Mas há uma propriedade na potenciação que pode fornecer a resposta.

   Diminuindo em 1 o expoente, o resultado fica dividido pela base. Se o leitor não entendeu o que foi dito, observe o exemplo:

2⁴=16

   A base é 2 e o expoente é 4. Diminuindo o expoente em 1, ele fica 4-1=3.

2³=16/2=8

   O expoente diminui em 1 (de 4 para 3) e o resultado foi dividido por 2 (de 16 para 8). O processo pode ser repetido, diminuindo em 1 o expoente.

2²=8/2=4

2¹=4/2=2

   A cada dimimuição do expoente o resultado é dividido por 2. Se o expoente diminuir mais uma unidade e o resultado for dividido por 2.

2⁰=2/2=1

   A conta pode ser repetida para qualquer base. No exemplo abaixo a base é 3. O expoente continua diminuindo de 1 em 1 e o resultado vai sendo dividido por 3.

3⁴=81

3³=81/3=27

3²=27/3=9

3¹=9/3=3

então

3⁰=3/3=1

   Assim como 2⁰=1, 3⁰=1. Para mostrar que um número não nulo elevado à 0 fica 1, a lista acima pode começar com o expoente 1. Por exemplo:

4¹=4
4⁰=4/4=1

5¹=5
5⁰=5/5=1

1¹=1
1⁰=1/1=1

(-1)¹=-1
(-1)⁰=(-1)/(-1)=1

   O raciocínio pode ser repetido infinitamente. Um número não nulo elevado a 1 é ele mesmo. Assim um número não nulo elevado à zero é o número dividido por ele mesmo, ou seja, 1.

   Zero elevado a qualquer número é 0. Um número elevado a zero é 1. Qual é o valor de 0⁰? Zero ou 1?

0¹=0
0⁰=0/0 indeterminação

Assim 0⁰ é uma indeterminação.

   Zero elevado à um número não nulo é zero. “Nada elevado à alguma coisa é nada”, alguns podem pensar. Mas um número não nulo elevado à zero não é zero. Assim, se o zero é nada, é necessário admitir que “um número não nulo elevado à nada é 1”. Zero elevado à zero é uma indeterminação. Pensar no zero como nada conduz à conclusão que “nada elevado à nada é uma indeterminação”.

Abandonando o nada e partindo do zero

   Muitos estudantes aprenderam que o “zero é nada” e portanto “um número mais nada é ele mesmo”, “um número menos nada é ele mesmo”, “um número vezes nada é nada”, etc. Estes estudantes tem dificuldade de entender o papel do zero na subtração, na divisão e na potenciação. Zero parece nada, mas não é. Enquanto a concepção errada sobre o zero continuar, o estudante decorará algumas regras algébricas sem entende-las.

   A falha de todo o raciocínio sobre o zero é a tentativa de defini-lo em si mesmo. Quando zero é definido como “elemento neutro da soma”, ele não está sendo entendido em si mesmo, mas em sua relação com os outros números. “Elemento neutro da soma” é o número que na soma com os “outros números” não altera nada.

   O zero é muito mais complexo do que parece. Quem pensou que ia encontrar o nada no zero se enganou. Zero pode ser o ponto de partida da própria matemática moderna.



quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Números perfeitos

  
Autor: Leonardo Sioufi Fagundes dos Santos
Texto publicado originalmente na revista eletrônica Espiral do Núcleo José Reis, na edição de julho-agosto-setembro de 2008.
Alguns errinhos foram corrigidos com a autorização do autor do texto.
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   O conceito de perfeição está associado ao ideal e ao divino. Os seres reais costumam ser classificados como imperfeitos, ainda que o conceito de perfeição seja vago. Mas alguns números são perfeitos. O que caracteriza um número como perfeito ? 

   Perfeição não é aparência. Para saber se um número é perfeito é necessário conhece-lo por dentro. É isso mesmo ! Vamos olhar os números por dentro. 

   Antes que o leitor abandone o texto pensando tratar-se de pseudo-matemática, espere um pouco. Nem sempre os matemáticos foram vistos como frios e calculistas. Grande parte do conhecimento matemático veio de um ambiente religioso.

   Por volta do séc. VI a.C., grupos religiosos que cultivavam conhecimentos secretos proliferavam em terras que correspondem hoje ao sul da Itália e à Grécia. O conhecimento secreto de cada grupo, designado genericamente como "mistério", era transmitido através de mitos, ritos e símbolos próprios. O ingresso a estes grupos era marcado por um "rito de iniciação". Os "mistérios" mais conhecidos foram os eleusinos, os délficos, os órficos, os dáctilos, os báquicos, os cabíricos e os dáctilos. Um novo grupo surgiu nesta época, os pitagóricos. Eles destacaram-se porque seus símbolos secretos eram os números e seu mistério era a própria matemática. O termo "pitagórico" deriva do mestre que teria fundado o grupo, Pitágoras de Samos (570 a.C.-496 a.C.). 

   Praticamente nada se sabe sobre a vida de Pitágoras porque os pitagóricos o descreviam de forma mitológica. Alguns chegaram a duvidar que Pitágoras tenha existido. Segundo escritores antigos, foi Pitágoras que criou o termo filósofo, que em grego significa "amigo da sabedoria". 

   Apesar do segredo, muitos filosófos gregos eram pitagóricos e escreviam seus livros inspirados nas doutrinas secretas. Além disso, alguns pitagóricos traíram o voto de sigilo e revelaram alguns segredos. Assim os pitagóricos acabaram legando aos gregos um vasto conhecimento matemático relativo aos números naturais e à geometria. Os números eram mais do que meras abstrações. Números possuiam qualidades, sexo, alguns tinham amizade entre si, etc. E por trás destas qualidades estavam propriedades aritméticas dos números estudadas até hoje.  

   Os pitagóricos de maior destaque foram os filosófos gregos Empedocles de Agrigento (490 a.C- 435 a.C.), Filolau de Crotona (que viveu no séc. V a.C. mas não se sabe exatamente quando) e Arquitas de Tarento (428 a.C.-347 a.C.). Empedocles é famoso por ter criado a teoria dos quatro elementos: fogo, ar, água e terra. 

   O filosófo Platão de Atenas (427 a.C.-347 a.C.) não é contado entre os pitagóricos mas foi profundamente influenciado pelo pitagorismo.

   Apesar de geniais, os pitagóricos tinham um conceito bem restrito de número. O 1 não era número. Números eram pluralidade e o 1 era único, singular. O primeiro número era o 2, o segundo era o 3, etc. Os pitagóricos conheciam as frações mas não as classificavam como números. Frações podiam ser representadas como um par de números (por exemplo, 2/3, 3/5, etc.) ou como o 1 seguido de um número (por exemplo, 1/2, 1/3, etc.). 

   A existência de medidas que não podiam ser representadas por frações, hoje chamadas de números irracionais, provocaram um verdadeira crise na escola pitagórica. Paradoxalmente, diversas medidas não fracionárias são encontradas através do "teorema de Pitagóras''. Os pitagóricos também não conceberam o zero, nem os números negativos e nem os complexos. Mas isso é outra história... 

   Em linguagem moderna, o números concebidos pelos pitagóricos juntamente com o zero e o 1 formam o conjunto dos números naturais, representados por N. Geralmente o conjunto dos naturais é apresentado na forma: 
N={0,1,2,3,4,...}

onde as reticências significam que o conjunto continua infinitamente. 


As partes de um número, os divisores.


   Para conhecer o interior de alguma coisa é necessário dividi-la. Com os números não é diferente. Para conhecer o interior de um número é necessário dividi-lo. 

   Mas a divisão que interessa é a divisão exata. Por divisão exata os matemáticos se referem a divisão com resto zero. Por exemplo, 10 pode ser dividido em 2 grupos com 5 unidades cada. Em outras palavras, 10=5+5=2x5. Assim a divisão de 10 por 2 é exata. Da mesma forma, o número 10 pode ser dividido em 5 grupos de 2 unidades, 10=2+2+2+2+2=5x2. Então a divisão de 10 por 5 também é exata. A divisão de 10 por 1 é exata porque é possível pensar neste número como 1 grupo com 10 unidades, 10=1x10. Enfim a divisão 10 por 10 é exata porque se obtem 10 grupos com 1 unidade cada, 10=1+1+1+1+1+1+1+1+1+1=10x1. Mas 10 não pode ser dividido exatamente em 3 grupos. Dez resulta em 3 grupos de 3 unidades com resto 1, ou seja, 10=3x3+1. Assim 10 dividido por 3 não é uma divisão exata. A divisão de 10 por 4 não é exata porque 10=4x2+2. As divisões de 10 por 6, 7, 8 e 9 também não são exatas.  

   Quando um número dividido por outro resulta em divisão exata, o segundo é designado como divisor do primeiro. Por exemplo, 1, 2, 5 e 10 são divisores de 10. Já 3, 4, 6, 7, 8 e 9 não são divisores de 10. Os números 1, 2, 3, 4, 6 e 12 são divisores de 12. Já 5, 7, 8, 9, 10 e 11 não são divisores de 12.

   Um conceito que facilita o estudo dos divisores é o de ``múltiplo''. Se um número é divisor de um segundo, o segundo é múltiplo do primeiro. Por exemplo, 2 é divisor de 10, logo é 10 múltiplo de 2. Já o 3 não é divisor de 10, logo 10 não é múltiplo de 3. A idéia por trás da nomenclatura "múltiplo" é que a relação pode ser escrita como multiplicação. Por exemplo, 10 é múltiplo de 2 porque 10 pode ser escrito como 2x5. Já 15 não é múltiplo de 2 porque não há número "natural" multiplicado por 2 que resulte em 15. Mas 15 é múltiplo de 3 porque 15=3x5.

      Eis abaixo uma lista dos números de 1 até 30 com seus respectivos divisores:

1: 1
2: 1 e 2
3: 1 e 3
4: 1, 2 e 4
5: 1 e 5
6: 1, 2, 3 e 6
7: 1 e 7
8: 1, 2, 4 e 8
9: 1, 3 e 9
10: 1, 2, 5 e 10
11: 1 e 11
12: 1, 2, 3, 4, 6 e 12
13: 1 e 13
14: 1, 2, 7 e 14
15: 1, 3, 5 e 15
16: 1, 2, 4, 8 e 16
17: 1 e 17
18: 1, 2, 3, 6, 9 e 18
19: 1 e 19
20: 1, 2, 4, 5, 10 e 20
21: 1, 3, 7 e 21
22: 1, 2, 11 e 22
23: 1 e 23
24: 1, 2, 3, 4, 6, 8, 12 e 24
25: 1, 5 e 25
26: 1, 2, 13 e 26
27: 1, 3, 9 e 27
28: 1, 2, 4, 7, 14 e 28
29: 1 e 29
30: 1, 2, 3, 5, 6, 10, 15 e 30


   Alguns padrões que aparecem na lista de divisores dos números podem ser generalizados. É necessário ressalta-los.

   O número 1 é divisor de todos os números naturais. Dividir um número por 1 é formar um único grupo com todas as unidades sem nenhum resto. Assim, um número dividido por 1 é ele mesmo. Por exemplo, 10=1x10, 11=1x11, etc. Outra forma de descrever o mesmo fato é que "todo o número é múltiplo de 1". 

   Todo o número é divisor de si mesmo. Dividir um número por ele mesmo é formar um grupo para cada unidade. Cada grupo fica com uma única unidade sem nenhum resto. Assim um número dividido por ele mesmo é 1. Por exemplo, 10=10x1, 11=11x1, etc. Outra forma de descrever isso é que todo número é múltiplo de si mesmo.

   Entre os divisores de um número, o mesmo é denominado ``divisor impróprio''. Em outras palavras, todo número é um divisor impróprio de si mesmo. Assim 10 é divisor impróprio de 10, 11 é divisor impróprio de 11, etc. Os demais divisores de um número são denominados ``divisores próprios''. Por exemplo, 1, 2 e 5 são divisores próprios de 10, enquanto 10 é divisor impróprio de 10. O único divisor próprio de 11 é 1 enquanto 11 é divisor impróprio. 

   Os pitagóricos não incluíam os divisores impróprios em suas listas. Por exemplo, para os pitagóricos os únicos divisores de 10 seriam 1, 2 e 5. O único divisor de 11 seria o 1.

   O divisor impróprio de 1 é 1. O número 1 é o único que tem apenas um divisor: o próprio 1. O número 1 é o único que não tem divisor próprio. 

   O problema dos divisores de zero será discutido no próximo tópico.

   Com exceção do 0 e do 1, os demais números têm pelo menos dois divisores: o 1 e o divisor impróprio, ele mesmo. 

   O número 2 é divisor de todos os números pares mas não é divisor de nenhum ímpar. A própria definição de par é de um número que é múltiplo de 2. Na classificação moderna o número 1 é ímpar porque não é múltiplo de 2. Mas para os pitagóricos o 1 não era um número, portanto não podia ser ímpar. 

   Na classificação moderna o zero é par porque é múltiplo de 2 (0=2x0). Mas os pitagóricos desconheciam o zero de forma que para eles 0 não podia ser par.
   
   Os números que tem exatamente dois divisores recebem o adjetivo "primo". Se os números primos têm apenas dois divisores, eles devem ser o 1 e o divisor impróprio. O número 0 não é primo por razões que serão discutidas no próximo tópico. Já o número 1 não é primo porque tem apenas um único divisor. O número 2 tem dois divisores, 1 e 2, portanto é o primeiro número primo. O 3 também é primo porque tem somente dois divisores, 1 e 3. Mas o 4 não é primo porque tem 3 divisores: 1, o divisor impróprio (4) e 2.
   Há infinitos números primos. Na lista acima é possível ver que os números primos entre 1 e 30 são: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17, 19, 23 e 29.

   
   O único divisor próprio de um número primo é o 1. Como os pitagóricos não incluíam o divisor impróprio como divisor de um número, para eles o único divisor de um primo era o 1. Por esta razão, os pitagóricos usavam o adjetivo "primo" com o sentido de "primordial", "primeiro". O número primo não tinha "partes" caso ele fosse escrito como um produto. Por exemplo, o número 7, que é primo, só pode ser escrito como 1x7 ou 7x1. Fica impossível escreve-lo como produto de números diferentes de 7. Isso pode ser generalizado para todos os primos. O número primo não pode ser "decomposto", ele é primordial, indivisível.
   
   Os números diferentes de 0 que têm mais de 2 divisores são chamados de compostos. Por exemplo, o número 4 é composto porque tem mais de dois divisores. O número 11 não é composto porque tem somente dois divisores. Assim 11 é primo. Já o número 15 é composto porque tem mais de dois divisores: 1, 3, 5 e 15.
   

   Todos os pares diferentes de 0 e 2 são compostos porque tem pelo menos três divisores: 1, 2 e o divisor impróprio. Ou seja, o único número par que é primo é o 2.
   
   Os números compostos recebiam este nome porque podiam ser escritos como "compostos" por um produto de números diferentes deles mesmos. Assim o número 6, que é composto, pode ser escrito como 2x3. O número composto 9 pode ser escrito como 3x3. Enfim, todos os números compostos podem ser "decompostos". 
   
   A decomposição mais completa que um número composto pode sofrer é em fatores primos. Por exemplo, 6=2x3 e 2 e 3 são primos. O número 45 pode ser escrito como 3x15, mas apenas 3 é primo. Reescrevendo 45=3x3x5, os únicos fatores, 3 e 5, são primos.
   
   O produto dos primos gera todos os compostos.Assim os números naturais podem ser primos ou compostos, um ou outro, sendo que o 1 e o 0 ficam excluídos desta classificação.

 
Breve discussão sobre o zero


   Nos dois parágrafos seguintes será descrito o problema do zero na divisão. Caso o leitor não compreenda os dois parágrafos, não desanime e siga em frente para o próximo tópico, "perfeição de um número". Não é necessário entender o "zero" para compreender os números perfeitos. Mas já que se falou de divisão, vale a pena mencionar o papel do 0. 

   Não se pode dividir nenhum número por zero. As razões não são óbvias. Um argumento superficial é que não se pode dividir um número em zero grupos. Que sentido teria dividir 10 em zero grupos ? Quantas unidades ficam em cada grupo se não há grupos ? Nem mesmo o 0 pode ser dividido por 0. Então zero não é divisor de nenhum número. Com isso 0 não é divisor nem de si mesmo. Zero é o único número que não tem divisor impróprio.

   O número zero pode ser dividido por qualquer número diferente de 0. Zero pode ser dividido em um único grupo com zero unidades (0=1x0), em dois grupos com zero unidades cada (0=0+0=2x0), em três grupos com zero unidades cada (0=0+0+0=3x0) e assim sucessivamente. Em outras palavras, 0 dividido por qualquer número diferente de 0 é 0. Todos os números são divisores de 0 exceto o próprio 0. Assim zero tem infinitos divisores. O número 0 não é primo porque tem mais de 2 divisores. Zero também não é composto porque a própria definição já excluiu o zero. Assim como o número 1, 0 não é primo e nem composto.

   Em resumo, nenhum número pode ser dividido por zero mas 0 pode ser dividido por todos os outros números, resultando em 0. Mas caso o leitor não tenha entendido este tópico, prossiga. Quando os números perfeitos foram concebidos pelos pitagóricos, o 0 não era nem sonhado.


Perfeição nos números
   
   Para entender um número, os pitagóricos somavam seus divisores próprios. Se os divisores próprios de um número revelariam como ele pode ser decomposto, a soma deles sintetizaria as informações.
   Por exemplo, os divisores próprios de 4 são 1 e 3. A soma destes divisores é 1+2=3. Assim soma dos divisores próprios de 4 é 3. O único divisor próprio de 5 é 1. Assim a soma dos divisores próprios de 5 é 1. Isso pode ser generalizado para todos os números primos. A soma dos divisores próprios de um número primo é 1, confirmando seu caráter primordial. Os divisores próprios de 6 são 1, 2 e 3. A soma dos divisores próprios de 6 é 1+2+3=6. Esta coincidência chamou a atenção dos pitagóricos. 

   Todo número cuja a soma dos divisores próprios coincide com ele mesmo recebe o adjetivo de "perfeito". O segundo número perfeito é o 28 porque pode ser escrito como a soma de seus divisores próprios: 28=1+2+4+7+14. O terceiro número perfeito é 496. Os divisores próprios de 496 são 1, 2, 4, 8, 16, 31, 62, 124 e 248 e 1+2+4+8+16+31+62+124+248=496.

   O grande matemático grego Euclides (360 a.C.-295a.C.) conhecia apenas os quatro primeiros números perfeitos: 6, 28, 496 e 8.128. Apesar disso, ele descobriu um método para achar todos os números perfeitos

   O matemático sírio (provavelmente de origem grega) Nicomachus de Gerasa (60-120) deu importantes contribuições para a matemática e escreveu sobre os números perfeitos. Apesar de ser brilhante, este matemático cometeu alguns erros. Por exemplo, embora ele não tenha encontrado o quinto número perfeito, ele acreditava que ele teria 5 algarismos. Como será visto neste texto, o quinto número perfeito, 33550336, tem 8 algarismos. Ele também acreditava que os números perfeitos terminavam com os algarismos 6 e 8 alternadamente. Como será visto a seguir, todo número perfeito termina com 6 ou com 8, mas não alternadamente.

   Os primeiros teólogos cristãos ficaram fascinados pelos números perfeitos. Os teólogos usavam o simbolismo pitagórico para interpretar o papel dos números nas Sagradas Escrituras. Santo Agostinho (354-430), considerado por muitos como o pai da teologia cristã, acreditava que Deus criou o mundo em 6 dias porque 6 é um número perfeito. Santo Isidoro de Sevilha (560-636) também adotou esta interpretação da criação. 

   O fascínio pelos números perfeitos foi herdado pelos teólogos mulçumanos. Os povos convertidos ao islamismo, principalmente árabes e persas, puderam reunir a matemática grega com a indiana e a chinesa, desconhecidas pelo Ocidente durante séculos. Da matemática indiana os árabes adotaram o sistema de numeração conhecido hoje como indo-arábico. Com todos estes avanços, os números perfeitos puderam voltar a ser estudados além do 8.128.

   O matemático árabe Thabit Ibn Qurra (836-901) estudou algumas propriedades dos números perfeitos. Depois dele quase todos os matemáticos arábes pesquisaram os números perfeitos. Ibn Al-Haythan (965-1039) redescobriu o método de Euclides para encontrar números perfeitos. Ismail Ibn Ibrahim Ibn Fallus (1194-1239) descobriu o quinto, sexto e sétimo números perfeitos: 33.550.336, 8.589.869.056 e 137.438.691.328. O quinto e sexto números perfeitos não alternam 6 e 8, o que mostra que o genial Nicomachus estava errado. Mas Ismail Ibn Ibrahim Ibn Fallus errou o oitavo, nono e décimo números perfeitos

   A produção árabe foi interrompida pelo  incêndio da biblioteca de Bagdá pelos mongóis em 1258. Infelizmente uma parte significativa da produção cultural árabe e persa se perdeu na destruição desta imensa biblioteca, a maior da época.

   Com o Renascimento, os europeus voltaram-se para a antiga cultura grega e redespertaram seu interesse pela matemática. Mas infelizmente eles não dispunham de grande parte do conhecimento árabe. O matemático italiano Luca Pacioli (1445-1517) desenvolveu um método errôneo para chegar aos números perfeitos. Com o método dele chegava-se a uma lista que misturava números perfeitos com não perfeitos. O matemático alemão Johanes Muller von Konigsberg (1436-1476), conhecido como Regiomontanus, redescobriu os quinto, sexto e sétimo números perfeitos. Outros matemáticos europeus redescobriram os primeiros 7 números perfeitos e outros mais. Entre eles merecem destaque o italiano Pietro Cataldi (1552-1626) e os franceses Marin Mersenne (1588-1648), Rene Descartes (1596-1650) e Pierre Fermat (1601-1665). 

   Enfim o grande matemático suiço Leonard Euler (1707-1783) deu contribuições decisivas para a teoria dos números perfeitos.

   Atualmente os computadores são um aliado essencial na busca pelos números perfeitos. Sem os computadores seria impossível continuar a busca pela perfeição nos números. Uma lista dos números perfeitos obtidos até 2006 está exposta no endereço eletrônico:

   A lista acima não leva em conta que o quinto, sexto e sétimo números perfeitos foram descobertos pelos árabes. As datas e créditos das descobertas são relativas às redescobertas européias.

Defeito nos números

   Um número cuja a soma dos divisores próprios é menor do que o mesmo recebe o adjetivo "defeituoso" ou "menos que perfeito" . Isso acontece com quase todos os números. Por exemplo, os números primos são defeituosos porque a soma de seus divisores próprios é 1 e 1 é menor do que qualquer primo. O número 4 não é primo, mas é defeituoso porque a soma de seus divisores próprios é 3 e 3 é menor do que 4. E assim por diante.

   O fato dos números defeituosos serem qualificados como tais não implica que eles eram desprezados pelos pitagóricos. Por que os pitagóricos classificariam os números primos como defeituosos se eles são primordiais ? Por que os pitagóricos chamariam seu número mais sagrado, o 4, de defeituoso ? Na verdade, não existe nenhum texto ou evidência indicando que os primeiros pitagóricos empregavam o termo "defeituoso" para os números menos que perfeitos. A classificação "defeituoso" só aparece na obra de Nicomachus de Gerasa quase 600 anos depois. Neste texto será mantida a classificação defeituosa porque ela aparece na literatura. 

Números quase perfeitos e o caminho para perfeição

   Entre os números defeituosos há alguns que são classificados como quase perfeitos. Para estes números, a soma dos divisores próprios é o seu próprio antecessor, ou seja, o número que vem imediatamente antes. O número 2 é quase perfeito porque a soma dos seus divisores próprios é 1. O número 4 também é quase perfeito porque a soma de seus divisores próprios é 3. O número 8 é quase perfeito. Os divisores próprios de 8 são 1, 2 e 4 e 1+2+4=7, onde 7 é antecessor de 8. Já os divisores de 16 são 1, 2, 4 e 8 e 1+2+4+8=15 e 15 é antecessor de 16. Assim 16 é um número quase perfeito. Na verdade qualquer número que resulte do 2 multiplicado por si mesmo é quase perfeito. Em  outras palavras todo o número quase perfeito é da forma 2, 2x2=4, 2x2x2=8, 2x2x2x2=16, 2x2x2x2x2=32, 2x2x2x2x2x2=64, 2x2x2x2x2x2x2=128, etc. 

      É através dos números quase perfeitos que se chega aos números perfeitos. Mas antes de encontrar os números perfeitos é necessário definir uma classe especial, os "primos de Mersenne".  Os primos de Mersenne são números antecessores dos quase perfeitos e ao mesmo tempo primos (como o nome já indica). Por exemplo, o antecessor de 2 é 1, mas 1 não é primo, então 1 não é primo de Mersenne. Já o antecessor de 4 (número quase perfeito) é 3 e 3 é primo. Então 3 é um primo de Mersenne. O antecessor de 8 (número quase perfeito) é 7 e este último é primo. Então 7 é primo de Mersenne. Mas o antecessor de 16 é 15 e 15 não é primo porque é múltiplo de 3 e de 5. Assim 15 não é primo de Merssenne. O antecessor de 32, 31, é um primo de Mersenne. Mas 63 (antecessor de 64) não é primo, logo 63 não é primo de Mersenne. O quarto, quinto, sexto e sétimo primos de Mersenne são respectivamente: 127, 8.121, 131.071 e 524.287. Existem infinitos primos de Mersenne.

   O nome "primos de Mersenne" é uma homenagem ao matemático Marin Mersenne. Embora Euclides e Ibn Al-Haythan  já sabiam que era necessário achar os primos de Mersenne para encontrar números perfeitos, foi Marin Mersenne quem primeiro estudou sistematicamente as propriedades dos números que levam seu nome. 

   O grande matemático Leonard Euler fez grandes contribuições no estudo dos primos de Mersenne. Foi através do estudo dos primos de Mersenne que Euler contribui tanto na procura dos números perfeitos.

   Hoje em dia os computadores são os grandes aliados na busca dos primos de Mersenne. Uma tabela com os primos de Mersenne encontrados até agosto de 2008 pode ser encontrada no endereço eletrônico:

   Finalmente é possível encontrar os números perfeitos

   "Multiplique um primo de Mersenne por seu sucessor (número que vem imediatamente depois). Divida o produto por 2. O resultado final é um número perfeito".

   Por exemplo, o primeiro primo de Mersenne é 3. Multiplicando 3 por seu sucessor, 4, chega-se a 3x4=12. Dividindo 12 por 2 chega-se a 6. E 6 é o primeiro número perfeito. Já o segundo primo de Mersenne é 7. Multiplicando 7 por seu sucessor, 8, chega-se a 56. E 56 dividido por 2 resulta em 28. O segundo número perfeito é 28. O terceiro primo de Mersenne é 31, que multiplicado por seu sucessor (32) resulta em 31x32=992. E dividindo 992 por 2 chega-se a 496 (terceiro número perfeito).

   Para cada primo de Mersenne que se encontra, chega-se a um número perfeito. Mas será que este método esgota todas as possibilidades ? Até 2008, com todo o aparato computacional disponível, se sabe que todos os números perfeitos que têm até 602 algarismos é encontrado através dos primos de Mersenne. Uma das consequências disso é que todo o número perfeito termina com 6 ou 8. Assim nunca foi encontrado um número perfeito ímpar e nem um perfeito par que terminasse em 0, 2 ou 4.

   A medida que se avança no conjunto dos números naturais, os primos de Mersenne ficam mais raros. Por exemplo, os cinco primeiros primos de Mersenne são relativamente  próximos: 3,7, 31, 127 e 8.121. Mas o quinto primo de Mersenne é 131.071 e tem dois algarismos a mais do que o quarto. Esta raridade de primos de Mersenne vai aumentado após 131.071. Como consequência os números perfeitos também vão ficando cada vez mais raros. Os quatro primeiros números perfeitos são 6, 28, 496 e 8.128. Já o quinto número perfeito é bem maior do que o quarto, 33.550.336.

Números perfeitos e números triangulares

   Os pitagóricos classificavam como números triangulares a soma em sequência do 1 com os demais números. Assim 1+2=3 é triangular. O segundo número triangular é 1+2+3=6. Assim 6 é ao mesmo tempo um número perfeito e triangular. O terceiro é 1+2+3+4=10. O quarto número triangular é 15=1+2+3+4+5.

   O conjunto do 1 com 2, 3 e 4 recebia o nome de Sagrada Tetraktys. Os pitagóricos tinham uma veneração especial por este grupo da unidade com os "três primeiros números" (para eles o 1 não era número). O 10, por ser a soma do 1 até 4, também era considerado sagrado. Os pitagóricos "quase" desenvolveram o sistema decimal indo-arábico mais de mil anos antes dos indianos. Um dos obstáculos para isso era a falta do algarismo 0. Mas isso é outra história...

   Por que falar de números triangulares em um artigo sobre números perfeitos ? Porque como o leitor já deve ter desconfiado, todo o número perfeito é triangular. Mas nem todo o número triangular é perfeito. Assim 3, 10, 15 e 21 são triangulares mas não são perfeitos. Já 28, que é perfeito, é necessariamente triangular. De fato, 28=1+2+3+4+5+6+7.

   Os números triangulares fornecem outro método de achar números perfeitos. Somando a sequência do 1 até um primo de Mersenne chega-se a um número perfeito. Assim a soma de 1 até 3 (primo de Mersenne) resulta em 6. Já a soma de 1 até o primo de Mersenne 7 resulta em 28. A soma de 1 até 31 resulta em 496. E assim por diante.

Abundância nos números

   Há números cuja soma dos divisores próprios é maior do que o mesmo. Eles são chamados de números abundantes ou  "mais que perfeitos". Os números "abundantes" são mais raros do que os imperfeitos mas mais frequentes do que os perfeitos. O número 12 é o menor número abundante. Os divisores próprios de 12 são: 1, 2, 3, 4 e 6 e a soma deles é 1+2+3+4+6=16 e 16 é maior do que 12. Depois do 12 o próximo número abundante é o 18. Os divisores próprios de 18 são 1, 2, 3, 6 e 9. A soma 1+2+3+6 +9=21. 

   Os múltiplos de um número perfeito diferentes dele mesmo são abundantes. Assim todos os múltiplos de 6 (exceto o próprio 6) são abundantes: 12, 18, 24, 30, etc. Os múltiplos de 28 (que não sejam o próprio 28) também são abundantes: 56, 84, 112, etc. 

   Mas nem todo o número abundante é múltiplo de um número perfeito. Por exemplo, o número 20 tem como divisores próprios 1, 2, 4, 5 e 10 e nenhum destes números é perfeito. No entanto a soma dos divisores próprios de 20 mostra que ele é um número abundante. Calculando 1+ 2+4+5+10=22 e 22 é maior do que 20.

   Todo múltiplo de um número abundante é abundante. Assim os múltipos de 20 são todos abundantes: 20, 40, 60, 80, 100, etc. Os múltiplos de 56 são todos abundantes: 56, 112, 168, etc. O menor número abundante ímpar é 945. Todos os múltiplos de 945 são abundantes: 945, 1.890, 2.835, etc.
  
    A nomenclatura abundante para designar os números "mais que perfeitos" só aparece na obra de Nicomachus de Gerasa. Mas os pitagóricos não atribuíam nenhuma superioridade ao números abundantes em relação aos perfeitos

   O número 1 não tem divisores próprios, portanto não se pode soma-los. Mesmo considerando o 1 como número, não faz sentido classificar o 1 como defeituoso, nem como abundante e nem como perfeito. O número zero, com seus infinitos divisores, também não se enquadra nesta classificação.
   Abaixo há uma lista com os números de 2 até 30, com a soma dos divisores próprios de cada número exibida ao lado. Fica fácil ver quais os números defeituosos, perfeitos e abundantes.

2: 1. Defeituoso
3: 1. Defeituoso
4: 1+ 2=3. Quase perfeito, portanto defeituoso.
5: 1. Primo, portanto defeituoso.
6: 1+2+3=6. Perfeito
7: 1. Primo, portanto defeituoso.
8: 1+2+4=7. Quase perfeito, portanto defeituoso.
9: 1+3=4. Defeituoso.
10: 1+2+5=8. Defeituoso.
11: 1. Primo, portanto defeituoso.
12: 1+2+3+4+6=16. Abundante.
13: 1. Primo, portanto defeituoso.
14: 1+2+7=10. Defeituoso.
15: 1+3+5=9. Defeituoso.
16: 1+2+4+8=15. Quase perfeito, portanto defeituoso.
17: 1. Primo, portanto defeituoso.
18: 1+2+3+6+9=21. Abundante.
19: 1. Primo, portanto defeituoso.
20: 1+2+4+5+10=22. Mais que perfeito
21: 1+3+7=11. Defeituoso
22: 1+2+11=14. Defeituoso
23: 1. Primo, portanto defeituoso.
24: 1+2+3+4+6+8+12=36.  Abundante.
25: 1+5=6. Defeituoso
26: 1+2+13=16. Defeituoso
27: 1+3+9=13. Defeituoso
28: 1+2+4+7+14=28. Perfeito
29: 1. Primo, portanto defeituoso.
30: 1+2+3+5+6+10+15=42. Abundante.
Reflexões sobre a perfeição dos números


   Duas reflexões podem ser extraídas sobre os números perfeitos. Uma reflexão sobre o conceito de um número e outra sobre perfeição.

   Em primeiro lugar, os números, que são quantidades, também podem ser compreendidos como qualidades. Mesmo sem adotar a mística pitagórica, os números podem ser primos ou compostos, perfeitos ou não, etc. As qualidades numéricas emergem das próprias propriedades quantitativas dos números. Por exemplo, a perfeição de um número, uma qualidade, está associada a uma propriedade quantitativa, a igualdade entre um número e a soma de seus divisores próprios. 


    Talvez falar de números de um ponto de vista qualitativo ajude a sociedade a superar seu preconceito com relação a matemática. Este preconceito exclui as pessoas de todos os benefícios da modernidade. O dinheiro deixou de ser papel e moeda para se tornar um número que aparece nas telas dos caixas eletrônicos. Os alimentos são avaliados pelas quantidades de nutrientes e calorias presentes nas embalagens. Os serviços e a administração das empresas exigem cada vez mais raciocínio lógico. Os números são a nova esfinge que se não compreendidos estrangulam o homem.


   A segunda reflexão é sobre o conceito de perfeição. A noção pitagórica de perfeição era diferente da atual. Na atualidade, perfeição é um estado onde não há defeitos. Já para os pitagóricos, perfeição era uma correspondência entre as partes e o todo.


   Se o conceito de perfeição pitagórico fosse igual ao atual, um número defeituoso não poderia ser o mais sagrado, o 4. Além disso, nenhum número poderia exceder a perfeição, como os abundantes fazem.


   Atualmente as pessoas acabam desistindo de serem perfeitas e de aperfeiçoar o mundo que as rodeia. Perdem-se os ideais. Para que melhorar se a perfeição é um estado impossível ? Talvez o conceito pitagórico de perfeição anime o homem a aperfeiçoar-se.


   Como aplicar o conceito de perfeição pitagórica ao ser humano ? Perfeição é o que está fora concordar com o que está dentro. Um ser humano perfeito é aquele que cabe em si mesmo. Quem é perfeito é sincero porque mostra o que está dentro de si mesmo.  A pessoa perfeita não tentaria fingir ou ser algo que ela não é. Ao contrário, o ser humano perfeito é exatamente ele mesmo, nem mais e nem menos. 


   O caminho da perfeição começa com uma pergunta. Quem sou eu ? No momento que o homem encontra a resposta, ele é exatamente ele mesmo. 


   Mas o que fazer enquanto não se encontra o si mesmo ? Só resta continuar buscando o autoconhecimento. Quem chegar a ser quase perfeito já pode ficar feliz porque a quase perfeição é o caminho para a perfeição.